«Os problemas económicos em Portugal são fáceis de explicar e a única
coisa a fazer é apertar o cinto», Diário de Notícias 27 de maio de 1984 e "Anunciámos medidas de rigor e dissemos em
que consistia a política de austeridade, dura mas necessária, para
readquirirmos o controlo da situação financeira, reduzirmos os défices e nos
pormos ao abrigo de humilhantes dependências exteriores, sem que o pais
caminharia, necessariamente para a bancarrota e o desastre”. RTP, 1 de
junho de 1984. Estas duas frases são de Mário Soares, primeiro-ministro de
então, quando o FMI entrou porta adentro para uma assistência financeira sem
precedentes. Então, tal como agora, a situação é fácil de explicar: o Estado
gasta mais do que as receitas que gera e não tem dinheiro. Quando uma família
se vê confrontada com uma quebra de rendimentos no seu agregado familiar fruto,
por exemplo, do desemprego o que fazem de imediato? Vão rever o seu orçamento
familiar e cortar onde podem cortar, começando sempre pelos gastos mais
supérfluos, se não for suficiente começam a cortar em coisas mais importantes
que começam a ter influência no dia-a-dia. O passo seguinte é perder toda a
qualidade de vida… para tentar sobreviver.
O Estado está a colocar a
grande maioria das famílias portuguesas na última fase da perda de qualidade de
vida para tentar sobreviver. Mas será que se justifica? Esta é a terceira
intervenção de ajuda financeira a Portugal desde o 25 de abril de 74 e não
aprendemos nada. Mais ou menos de quinze em quinze anos temos cá ajuda externa
a dizer o que devemos fazer e, grosso modo, é sempre o mesmo. Não podemos
continuar a gastar o que gastamos em termos de despesa do estado. Não podemos
continuar a ter empresas públicas com contas descontroladíssimas a pagar prémios
aos funcionários para irem trabalhar! Comparecer ao trabalho é um dever dos
funcionários e há milhares de portugueses que não se importavam de ocupar esses
lugares sem receberem o prémio de “presença”. Será que eu devo contribuir com
os meus impostos para pagar o desconto de 50% nas viagens feitas pelos
familiares dos funcionários das empresas de transportes? São pequenos exemplos
públicos dos milhares de outras situações que um “Estado Social” criou ao longo
destes anos, causando a rutura financeira a que assistimos. Esse não é o Estado
Social que defendo. O que defendo permite que os apoios cheguem a todos de
igual forma, sem exceção. É aquele que permite um justo equilíbrio entre setor
público e privado, em que duas reformas de quinze mil euros por mês não valem o
mesmo de uma reforma de quatrocentos euros. Um trabalhador do setor do calçado
trabalha uma vida inteira para ter uma reforma de quinhentos euros e um
magistrado do Supremo com dez anos reforma-se com milhares de euros por mês?
Não é isso que eu quero de um Estado Social. O magistrado deverá trabalhar o
mesmo número de anos e reformar-se ao fim do tempo com regras de cálculo da sua
reforma iguais aos dos restantes trabalhadores que, mesmo assim, ganharia muito
mais.
O que está em causa é apenas
e tão só o governo escolher entre ultrapassar esta fase e depois deixar tudo da
mesma forma e daqui a quinze anos temos cá outra Troika qualquer, ou aproveitar
e fazer uma verdadeira reforma do Estado garantindo maior justiça e melhor
distribuição do “social” para todos. Os sacrifícios são muitos, são imensos,
todos os portugueses são atingidos, uns mais outros menos. A pergunta que
devemos fazer é se chegou a hora de fazermos isto pelo nosso país pelos nossos
filhos e netos, ou nos fecharmos em defesa de interesses setoriais, muitas
vezes de meia dúzia de pessoas, colocando em risco o futuro de todos.
Mário Soares, histórico
socialista, e autor do “apertem o cinto”, apela agora diretamente à violência
dos portugueses para com o governo e o Presidente da República. O que fez ele
para evitar a situação em que chegamos enquanto primeiro-ministro e Presidente
da República? Ou, isto é apenas o último folego?* Expresso de Felgueiras, 25 novembro 2013
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