quinta-feira, dezembro 29

Na política a culpa fica sempre solteira

Está quase a terminar 2011, o ano que vai ficar na história do país como o virar de página de um certo modelo de desenvolvimento assente no endividamento excessivo do Estado, das empresas e das famílias.
Foi esse modelo que transformou Portugal, em poucas décadas, numa sociedade artificialmente abastada, com um nível de rendimento aparente que não tinha tradução prática na capacidade de produção de riqueza do país, a qual foi decaindo.
Ano após ano, esta discrepância grosseira, traduzida no défice do Estado galopante e no endividamento das famílias e empresas, entre o que a nossa economia produzia e o que os portugueses teimavam, com o Estado incluído, em gastar, só podia acabar como acabou, ou seja na iminência da uma bancarrota, a qual só foi evitada com o recurso a um humilhante empréstimo internacional.
É esse empréstimo, que tem na troika o seu rosto, que justifica as medidas de austeridade que o país enfrenta e vai continuar a enfrentar nos anos vindouros, implicando políticas de austeridade, algumas das quais cegas, que afetam transversalmente setores da sociedade e da economia que em nada contribuíram para esta crise. E por isso injusto o que se está a passar.
Mas, para mal dos nossos pecados, goste-se ou não, só com esse tipo de austeridade e medidas dantescas para muitos portugueses, sobretudo os mais desfavorecidos, é que os credores aceitariam emprestar dinheiro a um país com um histórico de endividamento excessivo crónico.
Pode-se, e bem, questionar se, no plano macroeconómico, o caminho que está a ser seguido é o mais adequado para atingir as metas traçadas pela troika, nomeadamente se as medidas em curso, com os seus efeitos colaterais, não vão matar um doente já em agonia. A reflexão sobre essa matéria tão pertinente ficará para uma próxima oportunidade.
Como cidadão, de 2011, fica-me um travo amargo de intuir que, como noutros momentos aflitivos, mais uma vez não serão responsabilizados os que, pelas políticas adotadas nas últimas décadas, de vários partidos, nos conduziram à situação presente, apesar de terem sido tantas vezes avisados por pessoas de bom-senso.
Nas empresas, quando algo corre mal, os sócios-gerentes são pessoal e duramente responsabilizados pelos eventuais danos causados a terceiros.
Na política, porém, a culpa fica sempre solteira, o que, já se sabe, também explica o afastamento e a desconfiança dos cidadãos face aos políticos.
Eu incluo-me nesse lote de portugueses.

4 comentários:

J Santos Pinho disse...

A culpa só fica solteira quando há interesses nisso (e infelizmente parece ser essa a norma).
Quase toda agente sabe (pelo menos quem se interessa verdadeiramente pelo assunto)que estamos perante, não uma, mas três crises distintas: uma crise bancária, uma crise de dívida e uma crise de crescimento.
Tentar resolver uma sem as outras é como apagar um fogo com gasolina.

Sérgio Martins disse...

De uma forma muito resumida posso acrescentar que o problema existe desde “sempre” mas com particular incidência no pós-25 de abril. O tipo de Constituição que saiu do processo revolucionário é manifestamente de esquerda, com uma visão muito keynesiana do que devia ser a participação do Estado na sociedade. Apesar das revisões que lhe foram sendo introduzidas nas sucessivas revisões, estas foram-no no campo económico, mas não no “Estado-social”. Um Estado dito social só existe com dinheiro. Correu tudo bem enquanto a população foi jovem, consumidora, produtiva. Com o envelhecimento da população, aumentam todas as despesas inerentes a um Estado-Social: saúde, reformas, desemprego, etc.. Apesar da “reserva do possível” no que concerne à diminuição dos direitos adquiridos é preciso o fundamental: dinheiro. E esse, meus caros amigos, não há!

Armindo Mendes disse...

Não posso estar mais de acordo, embora, Sérgio, deixe uma ressalva: não creio que alguma vez o país tenha sido produtivo ao ponto de suportar o nível de vida que apresentava, nem sequer o dito estado social que foi crescendo numa perspetiva bem-intencionada, mas com desequilíbrios assentes, não raras vezes, em opções ideológicas.
O nível de vida do país, incluindo o dito estado social, sustentou-se no recurso sucessivo ao crédito para tapar os défices crónicos. A produtividade foi esmorecendo, muito por culpa de muitas barreiras que existem que impede as reformas estruturais, sem as quais, Portugal não conseguirá sair do abismo em que caiu.

Sérgio Martins disse...

Exatamente Armindo. Nós, sociedade fomos levados por um enorme incentivo ao consumismo, como forma de fazer crescer a economia através do consumo interno, ao mesmo tempo que desmantelávamos a indústria para passarmos a um país de serviços e turismo. O resto todos sabemos. Parcerias público-privadas que vilipendiaram os cofres públicos, SCUT’s que nos estão a sair caríssimas e o gestão hospitalar absurda, e um sem número de outros exemplos. Resta dizer que o problema é transversal a todos os partidos e não apenas a um…